“Nietzsche no livro "Assim
falava Zaratustra" dá voz àquele que desejou existir: "o
super-homem". O super-homem é precedido por Zaratustra e por todos os mortais.
Nietzsche considera que “deus está morto", mas algo semelhante é capaz de
ser criado. Essa criação fundar-se-ia no super-homem, onde um homem supremo
viria revolucionar o mundo do comum dos mortais.Zaratustra, a personagem que
precede o super-homem, vive numa caverna e dela, um dia, resolve sair. Após
essa saída introduz aos homens, a si mesmo, e às coisas, um discurso superior
que, além da super-crítica que faz acerca dos homens, também fala do outro (o
super) que poderá existir.
Pouco fica por generalizar e
comentar nos discursos de Zaratustra; evidencia a liberdade que os homens podem
ter e não exercem apenas por medo; Assim, nos discursos, existe a revelação de
que os homens não foram apenas a imagem histórica que as instituições
procuraram transmitir. Os homens também foram um ser livre, ou tentaram…
Excerto
«O ideal na minha opinião seria
olhar a vida sem qualquer desejo, e não deixando pender a lingua como um cão, seria
ser feliz na contemplação, pura, estranho às contendas e à avidez do egoísmo,
ser, dos pés à cabeça, frio e pardo como a cinza, mas com olhos embriagados e
lunares. O que eu preferia, sugere a si próprio o espírito iludido, seria amar
a terra com um amor lunar e só com os olhos aflorar a beleza. E aquilo a que eu
chamaria o Imaculado Conhecimento de todas as coisas, seria nada pedir às
coisas, antes apresentar-lhes um espelho de cem faces» Ó sentimentais
hipócritas! Ó libidinosos! Falta-vos a inocência do desejo, e por isso
chegásteis a caluniar o desejo. Em verdade, não é como criadores, como
procriadores, como amigos do devir, que amais a terra. Onde reside a inocência?
Onde há vontade de engendrar? E aquele que criar o que o ultrapassa é, a meus
olhos, aquele cujo querer é mais puro. Onde reside a beleza? Onde todo o meu
querer me obriga a a querer; onde quero amar e perecer para que uma determinada
imagem se não mantenha unicamente uma imagem. Amar e perecer; há eternidades
que as duas palavras vão juntas. Querer amar, é aceitar mesmo a morte. Eis o
que tenho a dizer-vos, ó poltrões! E para cúmulo, eis que os vossos enviazados
olhares de castrados pretendem ser «serenidade»! E ainda dizeis que deveria ser
chamado «belo» o que se abandona ao aflorar dos olhos cobardes! Ó profanadores
das palavras nobres! Mas o vosso castigo, espíritos imaculados, puros
contempladores, é que jamais dareis à luz, por mais amplos, por mais maduros que
vos mostreis no horizonte. Em verdade, tendes sempre na boca grandes frases;
pretendeis fazer-nos acreditar que o vosso coração está cheio a transbordar, ó
mentirosos! Quanto a mim, contento-me com palavras humildes, desprezadas,
tortas; de boa vontade apanho o que cai da mesa dos vossos banquetes. Mas,
mesmo com este pouco, ainda vos posso dizer a verdade hipócritas. Com as minhas
espinhas, as minhas conchas e os meus espinhos, posso, ó hipócritas, picar-vos
o nariz. Ao vosso redor, ao redor dos vossos banquetes, o ar está sempre
empestado, pois os vossos pensamentos impuros, as vossas mentiras e os vossos
mediocres mistérios contaminam a atmosfera. Ora ousai acreditar um pouco em vós
próprios e no que tendes no ventre! Quem não acredita em si próprio, mente. A
vossos próprios olhos, espíritos «puros», vos ocultais sob a máscara de um
deus, e em vós se dissimula, sob a máscara de um deus, o mais horrível dos
vermes. Em verdade, sois capazes de criar a ilusão, ó «contemplativos»! Também
Zaratustra se deixou outrora iludir pelas vossas pelagens divinas; não
adivinhava que horrível nó de víboras os habitava. Julguei ver, outrora,
brincar nos vossos olhos uma alma divina, ó adeptos do conhecimento «puro».
Nesse tempo, não conhecia a arte superior dos vossos artifícios. A distância
escondia-me a imundície e o cheiro nauseabundo da serpente, e esse estratagema
do lagarto que ali se introduzia em busca do prazer. Mas aproximei-me e fez-se
luz, como agora se faz também para vós; e logo terminaram esses amores lunares.
Vede o ar envergonhado e pálido que a lua toma perante a aurora! Pois eis a
aurora que aparece já, ardente; vem cheia de amor pela terra. O amor do sol é
sempre inocência e desejo criador. Olhai-o, acorrendo impaciente de além dos
mares. Não sentis a sede e o hálito ardente do seu amor? Ele quer beber o mar e
até aspirar toda a sua profundidade, e o desejo do mar segue para ele os seus
milhares de seios. Quer ser beijado e aspirado pela sede do sol; quer tornar-se
brisa e altura e caminho para a luz; e luz ele próprio. Em verdade é com um
amor solar que amo a vida e todos os mares profundos.
E eis em que para mim consiste o Conhecimento:
em aspirar tudo o que é profundo até à minha própria altura.”
In Citador
2 comentários:
Sempre achei que Nietzsche, em meio à sua aparente loucura, era na verdade inteiramente lúcido quanto ao mundo, em sua visão pessimista. Excelente post, Doce Amor! Boa semana.
Olá Árabe:
Sim, aparente loucura.Sobretudo naqueles tempos.Quem ousava escrever o que ele escreveu era de facto "um louco".Mas hoje sabemos que não. Passaram-se tantos anos e aí está.Ainda continuamos a refletir sobre as suas palavras que se encaixam nos nossos dias.Não acho que seja uma visão pessimista.O que é...é!
Boa semana também e agradecida.
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