“A
crueldade é constitutiva do universo, é o preço a pagar pela grande
solidariedade da biosfera, é ineliminável da vida humana. Nascemos na crueldade
do mundo e da vida, a que acrescentámos a crueldade do ser humano e a crueldade
da sociedade humana. Os recém-nascidos nascem com gritos de dor. Os animais
dotados de sistemas nervosos sofrem, talvez os vegetais também, mas foram os
humanos que adquiriram as maiores aptidões para o sofrimento ao adquirirem as
maiores aptidões para a fruição. A crueldade do mundo é sentida mais vivamente
e mais violentamente pelas criaturas de carne, alma e espírito, que podem
sofrer ao mesmo tempo com o sofrimento carnal, com o sofrimento da alma e com o
sofrimento do espírito, e que, pelo espírito, podem conceber a crueldade do
mundo e horrorizar-se com ela.
A
crueldade entre homens, indivíduos, grupos, etnias, religiões, raças é
aterradora. O ser humano contém em si um ruído de monstros que liberta em todas
as ocasiões favoráveis. O ódio desencadeia-se por um pequeno nada, por um
esquecimento, pela sorte de outrem, por um favor que se julga perdido. O ódio
abstracto por uma ideia ou uma religião transforma-se em ódio concreto por um
indivíduo ou um grupo; o ódio demente desencadeia-se por um erro de percepção
ou de interpretação. O egoísmo, o desprezo, a indiferença, a desatenção agravam
por todo o lado e sem tréguas a crueldade do mundo humano. E no subsolo das
sociedades civilizadas torturam-se animais para o matadouro ou a
experimentação. Por saturação, o excesso de crueldade alimenta a indiferença e
a desatenção, e de resto ninguém poderia suportar a vida se não conservasse em
si um calo de indiferença. “
Edgar
Morin, in 'Os Meus Demónios'
Em
que mundo vivemos? Para onde vamos? E quando crianças são crueis? O que fazer?
Estou
desolada … pois tive conhecimento!