maio 21, 2017

INDIFERENÇA

Como se Morre de Velhice

“Como se morre de velhice
Ou de acidente ou de doença,
Morro, Senhor, de indiferença.

Da indiferença deste mundo
Onde o que se sente e se pensa
Não tem eco, na ausência imensa.

Na ausência, areia movediça
Onde se escreve igual sentença
Para o que é vencido e o que vença.

Salva-me, Senhor, do horizonte
Sem estímulo ou recompensa
Onde o amor equivale à ofensa.

De boca amarga e de alma triste
Sinto a minha própria presença
Num céu de loucura suspensa.

(Já não se morre de velhice
Nem de acidente nem de doença,
Mas, Senhor, só de indiferença.) “


Cecília Meireles, in 'Poemas (1957) ‘-Citador

Beijinho doce

maio 05, 2017

"CRUELDADE E SOFRIMENTO"

“A crueldade é constitutiva do universo, é o preço a pagar pela grande solidariedade da biosfera, é ineliminável da vida humana. Nascemos na crueldade do mundo e da vida, a que acrescentámos a crueldade do ser humano e a crueldade da sociedade humana. Os recém-nascidos nascem com gritos de dor. Os animais dotados de sistemas nervosos sofrem, talvez os vegetais também, mas foram os humanos que adquiriram as maiores aptidões para o sofrimento ao adquirirem as maiores aptidões para a fruição. A crueldade do mundo é sentida mais vivamente e mais violentamente pelas criaturas de carne, alma e espírito, que podem sofrer ao mesmo tempo com o sofrimento carnal, com o sofrimento da alma e com o sofrimento do espírito, e que, pelo espírito, podem conceber a crueldade do mundo e horrorizar-se com ela.
A crueldade entre homens, indivíduos, grupos, etnias, religiões, raças é aterradora. O ser humano contém em si um ruído de monstros que liberta em todas as ocasiões favoráveis. O ódio desencadeia-se por um pequeno nada, por um esquecimento, pela sorte de outrem, por um favor que se julga perdido. O ódio abstracto por uma ideia ou uma religião transforma-se em ódio concreto por um indivíduo ou um grupo; o ódio demente desencadeia-se por um erro de percepção ou de interpretação. O egoísmo, o desprezo, a indiferença, a desatenção agravam por todo o lado e sem tréguas a crueldade do mundo humano. E no subsolo das sociedades civilizadas torturam-se animais para o matadouro ou a experimentação. Por saturação, o excesso de crueldade alimenta a indiferença e a desatenção, e de resto ninguém poderia suportar a vida se não conservasse em si um calo de indiferença. “

Edgar Morin, in 'Os Meus Demónios'
Em que mundo vivemos? Para onde vamos? E quando crianças são crueis? O que fazer?

Estou desolada … pois tive conhecimento!